Se
os oito cristãos citados a seguir, todos influentes em seu tempo, se
reunissem em torno da mesa de jantar, que conversas surgiriam”, pergunta
o historiador australiano Geoffrey Blainey antes de citar nomes como
São Paulo, Francisco de Assis e Martinho Lutero. São fórmulas como essas
que atraem os leitores – e não são poucos – a livros como Uma Breve História do Cristianismo(Fundamento,
328 páginas, 29,50 reais) que mal chegou ao Brasil e já encontrou seu
espaço na lista dos mais vendidos do país. [...] Aos 82 anos e 36 livros
lançados, além de passagens pelas universidades de Melbourne e de
Harvard, nos Estados Unidos, o australiano é um best-seller mundial. Especialmente graças à série Uma Breve História de...: no Brasil, onde foi lançado em 2008, Uma Breve História do Século XXficou 40 semanas na lista dos mais vendidos. E Uma Breve História do Mundo, quarto título de não ficção mais comprado no Brasil em 2009, passou 140.
Ainda que não as desenvolvam a contento, os livros de Blainey levantam questões instigantes como as que o historiador discute na entrevista abaixo, concedida em primeira mão ao site de Veja. O australiano comenta a importância do cristianismo para a cultura ocidental, cujo conceito de justiça e democracia, ele defende, a religião influenciou. Confira os melhores momentos da conversa com Geoffrey Blainey:
Ainda que não as desenvolvam a contento, os livros de Blainey levantam questões instigantes como as que o historiador discute na entrevista abaixo, concedida em primeira mão ao site de Veja. O australiano comenta a importância do cristianismo para a cultura ocidental, cujo conceito de justiça e democracia, ele defende, a religião influenciou. Confira os melhores momentos da conversa com Geoffrey Blainey:
Jesus realmente existiu?
Alguns acadêmicos
duvidam. Eles o veem como um espantalho coberto de vestes brancas, um
personagem definitivamente artificial. Para defender essa posição,
argumentam que Jesus é raramente mencionado em documentos históricos de
seu tempo, que comprovariam a sua existência. Eu analisei com atenção
esses argumentos e discordo deles. Se você considera que Jesus não teve
nenhum cargo público, era oriundo de uma família pobre e viveu uma vida
curta numa esquina insignificante do enorme Império Romano, você tem é
que se maravilhar com o volume de evidências que há sobre ele. Muitas
dessas evidências foram feitas após sua morte, mas por pessoas que se
lembravam dele ou que ouviram histórias sobre ele em primeira mão.
Alguns desses registros, é verdade, são bastante contraditórios. Mas a
mesma coisa se dá com várias personagens históricas controversas.
O que fez do cristianismo uma religião tão forte, a ponto de servir de base para a cultura ocidental?
O que fez do cristianismo uma religião tão forte, a ponto de servir de base para a cultura ocidental?
Em primeiro lugar,
no início os cristãos podiam pregar nas sinagogas espalhadas em grande
parte do sul e do sudeste da Europa e da Ásia Menor – e provavelmente um
em cada dez habitantes do Império Romano era judeu. E no século IV
d.C., com vistas a unificar a vasta e multirracial população romana, o
imperador Constantino tomou a decisão de tornar o cristianismo, com sua
reconhecida abertura a diversas etnias, a religião oficial de Roma. Isso
seria uma bênção para a religião [nem tanto, como se sabe, devido à
acomodação posterior do cristianismo ao Estado e à paganização de
algumas de suas doutrinas. – MB]. Segundo ponto: muitos líderes e
seguidores acreditavam mesmo que Jesus havia sido o homem mais notável
da história. E também que ele continuava vivo, em corpo ou espírito, ou
ambos. Os fiéis – especialmente as mulheres – admiravam as suas lições
persuasivas e os seus provérbios convincentes, embora nem sempre fossem
fáceis de seguir. Em terceiro lugar, o cristianismo defendia a caridade
para com os pobres e os doentes, enquanto as igrejas pagãs raramente
lhes prestavam ajuda. Quando a varíola se alastrou, entre os anos de 165
e 180, e a baixa imunidade às infecções provocou inúmeras mortes, os
cristãos foram valorizados pelo auxílio que prestaram. As Igrejas
cristãs são, de fato, as instituições mais caridosas da história
universal. A crença no retorno de Jesus à Terra, onde ele já estaria
presente em espírito, e na vida após a morte foi outro fator que tornou a
crença tão atraente. Por fim, para além de Constantino, a Igreja passou
a receber o apoio de governantes mundo afora.
Como podemos distinguir a herança do cristianismo na cultura ocidental?
Como podemos distinguir a herança do cristianismo na cultura ocidental?
A cultura
ocidental muda de século para século. Mas, na cultura que temos hoje,
penso que o cristianismo – em especial o protestantismo do século XVI –
ainda tem traços bastante presentes. A religião teve grande influência
sobre a lenta ascensão da democracia. A declaração feita pelo apóstolo
Paulo de que todas as almas têm o mesmo valor para Deus contribuiu para a
configuração da democracia moderna, assim como a decisão de uma
parcela do protestantismo que, desobedecendo ao papa e ao bispo,
conferiu poder à congregação reunida aos domingos [esse foi um dos
problemas da semipaganização do cristianismo: a mudança do sábado para o
domingo, como dia de repouso e culto – MB]. A religião também teve peso
decisivo na educação das massas – meninos e meninas precisavam aprender
a ler para ler a Bíblia. Além disso, contribuiu para a ideia de amor ao
próximo e a ênfase na justiça. Você pode argumentar que a cultura
ocidental não é muito justa. Mas, dentro de uma perspectiva histórica,
ela é, sim. Por exemplo, nós hoje não toleramos a escravidão. Cristãos,
principalmente os evangélicos, fizeram mais que qualquer outro grupo –
as exceções são várias – pela abolição do mercado escravo. Eles levaram
um longo tempo para fazer isso, mas fizeram.
Outro cerne da
cultura ocidental é o helenismo. Que características da cultura da
antiga Grécia se combinaram com outras da cultura cristã, e quais
conflitaram?
Uma questão
difícil. Não posso responder com segurança, mas vou fazer dois
comentários. Por um lado, o cristianismo era mais generoso, mais
compassivo, que a cultura grega. Por outro, ambas as formas de ver o
mundo deram mais atenção para as questões culturais e mentais que para
as materiais. Inicialmente, eles também comungaram de uma mesma
linguagem. Na maioria das igrejas cristãs, mesmo em Roma, se falava em
grego e não em latim. E a maior parte dos livros do Novo Testamento foi
escrita primeiramente em grego, por eruditos. Assim, a filosofia grega
emprestou um certo sabor ao Novo Testamento.
O Brasil é tradicionalmente católico, mas agora as religiões pentecostais têm adquirido uma grande penetração no país. Isso pode sugerir algo sobre nós?
O Brasil é tradicionalmente católico, mas agora as religiões pentecostais têm adquirido uma grande penetração no país. Isso pode sugerir algo sobre nós?
Eu não posso
responder com convicção. Mas posso fazer algumas observações relevantes.
O Brasil, como a Austrália e os Estados Unidos, parcialmente reflete o
que está acontecendo com a civilização ocidental. Nela, de modo geral,
os rituais e costumes cristãos estão em declínio. O catolicismo perde
espaço no Brasil da mesma forma como o protestantismo perde terreno nas
Ilhas Britânicas. Mas é preciso ter em mente que esse declínio geral do
cristianismo não é necessariamente permanente. Na civilização ocidental,
o cristianismo vive ciclos de declínio e revitalização. O cristianismo
já renasceu muitas vezes. Alguns de seus “parteiros” – São Benedito,
Santo Inácio de Loyola, Martinho Lutero – são mundialmente famosos.
Outros nomes vão certamente se somar a essa lista nos próximos séculos.
Enquanto isso, o Brasil segue como prova da capacidade do cristianismo
se reerguer ou mudar de curso. Ele é transportado por uma onda de
entusiasmo e magnetismo, inflamada por líderes carismáticos. Mas é
provável que, no tempo devido, o número de evangélicos vai atingir um
determinado patamar, e então estabilizar ou recuar.
Por que o cristianismo mudou tanto?
Por que o cristianismo mudou tanto?
Há muitas razões:
ele se tornou uma religião oficial de diversos estados, absorveu
elementos de novas culturas e situações, se reinventou diversas vezes. O
mundo mudou demais – a maior parte dos países se tornou mais próspera e
materialista nos dois últimos séculos. Há ainda outra explicação para a
mudança. Como eu digo no meu livro, “A Bíblia é um violino em que
inúmeras músicas podem ser tocadas. Ela pode tocar quase tudo, com sons e
significados contrastantes”. [Daí a importância de se permitir que a
Bíblia se interprete a si mesma e de seguir os ensinamentos puros dos
apóstolos, a fim de se ter certeza de estar vivendo o cristianismo
verdadeiro, “descontaminado”. – MB]
Fonte: Criacionismo.com / (Veja)
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